Lei das Estatais pode preencher vazios legais da administração pública

Por Guilherme Oliveira e Anderson Vieira

Apresentado no início desta semana pelos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o anteprojeto da Lei de Responsabilidade das Estatais tem por objetivo aumentar a transparência dessas empresas. Para isso, a proposta trata da regulamentação de dispositivos da Constituição que até hoje não foram regulamentados.

O artigo 173 da Constituição dá orientações gerais para a organização das empresas e deixa clara a necessidade de mecanismos de fiscalização pública e governança interna. No entanto, o dispositivo transfere para uma lei posterior a normatização de todos esses pontos. Na ausência dessa norma até hoje, cada estatal tem seus próprios regulamentos.

A intenção do anteprojeto de Renan e Cunha é dar a partida para a criação de uma lei que preencha esse vácuo legal, unificando as regras de organização:

— Essa lei fortalecerá o Brasil e acabará com o mundo paralelo das estatais, que não têm controle público, não têm acompanhamento do Congresso e não dá respostas à sociedade — ressaltou Renan no lançamento da proposta.

O texto será encaminhado para uma comissão mista, formada por quatro senadores e quatro deputados, da qual sairá um projeto pronto para tramitação nas duas Casas do Congresso. O colegiado terá 30 dias para concluir os trabalhos e a proposição deverá ser votada antes do recesso parlamentar de julho. O presidente da comissão será o senador Romero Jucá (PMDB-RR); o relator, o deputado Arthur Maia (SD-BA).

Caso as medidas sejam aprovadas, todas as estatais terão um prazo de seis meses para se adaptar às novas regras.

Inspiração

O consultor do Senado Marcos Köhler acredita que o texto deve sofrer alterações na comissão mista. Todavia, ele explica que a proposta se fundamenta em princípios básicos, como permitir maior controle social, melhorar os sistemas de governança das empresas e proporcionar critérios mais objetivos de gestão.

Ele cita como exemplo a existência de conselheiros independentes e a criação de comitês de avaliação de riscos, de auditoria e até de remuneração.

— Essas instâncias vão tornar mais objetivas as responsabilizações de modo que não possa acontecer algo de relevante que não chegue ao conhecimento da diretoria. Não será mais possível para um diretor alegar desconhecimento sobre fato relevante que ocorreu dentro da companhia — explicou.

Repercussão

O líder do governo no Senado, senador Delcídio do Amaral (PT-MS), disse acreditar que o anteprojeto é uma ideia meritória e que pode contribuir para melhorar a gestão das empresas estatais.

— O projeto tem muitos pontos importantes principalmente no que se refere à qualificação dos dirigentes, que leva a uma escolha mais seletiva. Tudo que diz respeito à meritocracia na máquina do governo é muito bem-vindo — disse.

No entanto, Delcídio demonstrou preocupação quanto à imposição da sabatina para os indicados à presidência das estatais.

— Precisamos avaliar bem, sob o ponto de vista jurídico, se não há um choque de atribuições. Sendo a União o acionista majoritário é natural que ela indique os dirigentes dessas empresas, até porque a União responde pela gestão deles. Poderia haver um vício de origem. Devemos olhar com mais cuidado — disse o senador.

Em relação a esse assunto, Renan Calheiros reconheceu que há espaço para negociar o rito da sabatina e até mesmo retirá-la do projeto final, desde que não se perca o espírito da proposta.

— A sabatina é uma saída, mas não é sinônimo do controle do Legislativo. O que se quer é garantir a transparência. Se for o caso, até retiraremos, desde que o governo dê uma contrapartida e nós possamos garantir o controle do gasto público — disse Renan.

O senador Walter Pinheiro (PT-BA), membro da comissão que analisará o anteprojeto, disse que a tramitação da matéria deve se dar com cautela. Ele lembrou que o texto terá que percorrer um longo caminho antes de virar norma definitiva.

— Vamos fazer a limpeza do que é papel nosso e do que é papel do Executivo e lembrar que a independência dos três poderes sempre prevaleceu no Parlamento. Não vai ser agora que vamos enfraquecer — afirmou.

Para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), a má gestão das estatais é um dos principais problemas do país. Ele anunciou que apresentará um projeto alternativo à proposta de Renan e Cunha, de forma a fomentar o debate.

— O Brasil tem dois males que caminham juntos. De um lado, a corrupção, de forma descarada. Por outro, a ineficiência e a incompetência da gestão das estatais. O que nós queremos é a profissionalização dessas empresas — afirmou.

Controle pelo Congresso

A principal medida do anteprojeto é inserir o Congresso Nacional no processo de administração das estatais. A proposta estabelece que os profissionais indicados pelo Executivo para a presidência das empresas deverão ser sabatinados por comissão do Senado e aprovados pelo Plenário – mesmo processo aplicado, por exemplo, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e aos presidentes das agências reguladoras. Atualmente, no caso das estatais, a nomeação é livre e incondicional.

O Congresso também participaria da fiscalização do cumprimento de metas e resultados. Os conselhos de administração teriam que se reportar anualmente ao Legislativo para informar a respeito do desempenho das diretorias.

Já os comitês de auditoria (órgão criado pelo anteprojeto) ficariam obrigados a elaborar relatórios semestrais detalhando o controle interno. Esses documentos permaneceriam disponíveis para o Congresso por um mínimo de cinco anos.

Metas e administração

De acordo com o texto, ao assumirem seus cargos os diretores devem se comprometer a alcançar resultados especificados pelo conselho de administração. Caso isso não ocorra, o próprio conselho pode destituí-los. Também cabe ao conselho eleger os diretores.

Além disso, são estabelecidos currículos mínimos para diretores e presidentes das estatais. Para ocupar o cargo de presidente, será necessário ter um ano de experiência na presidência de uma empresa de capital aberto. Já os diretores precisam comprovar pelo menos cinco anos de atuação em uma empresa de mesmo porte da estatal em questão ou com objetivo social semelhante.

O conselho de administração de cada empresa também estará sob permanente escrutínio. Os conselheiros serão eleitos pelos acionistas para mandatos de três anos, sendo permitida a reeleição, e podem ser destituídos da função por assembleia geral dos mesmos acionistas.

Outra mudança importante é a proibição de que políticos integrem os conselhos de administração das estatais – atualmente, ministros de Estado e até a presidente da República podem ocupar esses postos.

Auditoria

Fica estabelecida a obrigação de que as estatais tenham comitês de auditoria, órgãos subordinados diretamente à presidência da empresa. Suas funções incluem supervisionar e orientar as auditorias independentes que atuem nas empresas, revisar as demonstrações contábeis e recomendar à diretoria a correção ou o aprimoramento de práticas, políticas e procedimentos, quando houver necessidade.

Os comitês de auditoria deverão ter entre cinco e sete membros e pelo menos um dos quais deve fazer parte também do conselho de administração da estatal. Este, aliás, é o único integrante do órgão auditor que pode ter outra função dentro da empresa. Todos os outros devem trabalhar única e exclusivamente no comitê, e não ter nenhuma outra função no quadro da empresa.

Além desse comitê, as estatais deverão ter diretorias específicas para controle de riscos e conformidade de práticas negociais. Essa obrigatoriedade vale apenas para as estatais do tipo sociedade de economia mista (cujo capital mistura dinheiro público e investimentos privados), como a Petrobras, e não para as do tipo empresa pública (cujo capital é formado apenas por recursos públicos), como a Caixa Econômica Federal.

Licitações

O anteprojeto da Lei de Responsabilidade das Estatais trata também de normas para licitações, atualmente regidas pela Lei das Licitações. Cada empresa poderá criar seu próprio regulamento interno para contratar obras, serviços, compras e alienações.

As condições para que os regulamentos próprios sejam válidos são a conformidade com a Lei das Licitações, a aprovação prévia pela Controladoria-Geral da União (CGU), previsão de revisão dentro de cinco anos e a existência de disposições relativas à prevenção de fraudes.

A fiscalização pelo Congresso também está prevista no tocante às licitações. As empresas estatais que decidirem elaborar regulamentos próprios deverão enviar relatórios anuais ao Parlamento detalhando a execução das normas.

Empresas públicas x sociedades de economia mista

Chamadas genericamente de estatais, as sociedades de economia mista e empresas públicas são entidades criadas pelo governo como forma de descentralizar a administração pública.

Elas têm em comum o fato de terem personalidade jurídica de direito privado. Seus trabalhadores, embora admitidos por concurso, não são considerados servidores, mas empregados públicos, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e vinculados ao Regime Geral de Previdência Social. Não têm, portanto, estabilidade, mas dispõem de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

As empresas públicas têm capital 100% público; as sociedades de economia mista, por sua vez, têm ao menos 51%. Constituída obrigatoriamente sob a forma de S.A., elas têm ações negociadas em bolsas de valores.

Correios, Caixa Econômica Federal, Embrapa, Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BHDES) são algumas das maiores empresas públicas brasileiras. Entre as sociedades de economia mista, destacam-se a Petrobras, o Banco do Brasil e a Eletrobras.

Fonte: Agência Senado

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