Por Marcel Frota
Fim do fator previdenciário é mais uma capítulo na lista de propostas que já foram combatidas por quem as criou ou defendida por aqueles que tentaram barrar sua aplicação
“A oposição virou um discurso mais demagógico do mundo. Nem nos tempos que o PT era oposição, o PT fazia tanta demagogia como faz a oposição hoje”. A frase é do líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), ao responder sobre a MP 665/14, aprovada no âmbito do ajuste fiscal. A frase traz uma confissão sutil a respeito do que todo parlamentar do Congresso sabe e diz longe dos microfones: discurso é uma coisa, prática é outra.
Essa lógica é quase sempre seguida, mas há ocasiões em que ela esbarra em resistências e nascem rebeldias, como a que teve de ser debelada dentro do PT por causa da votação das Medidas Provisórias do ajuste fiscal. Durante a apreciação das mudanças no Seguro Desemprego (MP 665/14), alguns petistas se recusaram a votar com o governo e se retiraram do Plenário numa ausência estratégica.
Na votação seguinte, a MP 664/14, que muda regras para concessão de pensão em casos de morte, nova rebelião. Além das discussões de bastidores, o governo terá de lidar com um problema real. O Plenário aprovou a emenda do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) que cria uma alternativa ao fator previdenciário para as aposentadorias. Até o relator da MP na comissão mista, Carlos Zaratini (PT-SP) votou favoravelmente à emenda e capitalizou sua aprovação num vídeo gravado logo após a votação.
A emenda foi aprovada na noite do dia 13 de maio (232 a favor e 210 contra).O fim do fator é o mais recente episódio numa lista de incoerências que permeia o parlamento, fazendo partidos votarem contra propostas que já defenderam ou a favor de coisa que já combateram. Tudo a depender do lado do balcão que se está. Se a emenda pelo fim do fator recebeu amplo apoio do PSDB desta vez, foi o tucanato que patorcionou sua criação, em 1999.
Essa confusão política foi sintetizada na frase sobre o ministro da Fazenda Joaquim Levy cunhada pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), um dos articuladores do grupo de resistência ao ajuste fiscal no Senado, composto, entre outros, por dois senadore petistas: Lindbergh Farias (RJ) e Paulo Pain (RS). “Essa medida provisória (665/14) poderia ser editada pelo Aécio [Neves] se ele tivesse sido presidente não pelo governo da presidente Dilma”, criticou ele. “O ministro Levy dá um ótimo ministro da Fazenda, do governo do PSDB, mas não de um governo que se propõe a ser de esquerda”, acrescentou.
Fator Previdenciário
Votado no dia 6 de outubro de 1999, o então Projeto de Lei 1527/99 foi aprovado por 301 votos a favor e 157 contra. A sessão se estendeu até às 21h34 e nada teve de tranquila. O PL 1527/99 criou o Fator Previdenciário no âmbito da reforma previdenciária que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso buscou aprovar no Congresso Nacional. O fator instituiu uma equação para dificultar o acesso de aposentados ao benefício integral. Foi uma forma de estancar a sangria de uma previdência que no Brasil, busca uma forma de se tornar sustentável.
Nos idos de 1999, PT e PSDB pensavam e votavam muito diferente do que fizeram na semana passada. Se na emenda de Faria de Sá o PSDB inteiro votou pelo fim do fator (45 deputados), quando FHC quis criar a fórmula, somente 5 dos 94 deputados tucanos daquela legislatura não votaram a favor da criação do fator previdenciário.
O PT não foge a essa lógica. Em 1999, os 58 deputados do PT votaram contra a criação do fator previdenciário. Agora, a emenda que acaba com o fator previdenciário enfrentou pesada resistência do partido que mais combateu sua criação. Somente 9 dos 58 petistas presentes não votaram contra a emenda que acaba com o fator previdenciário.
CPMF
A primeira versão da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) nasceu em 1996. Era uma derivação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), criado na gestão do ex-presidnete Itamar Franco. Em 1996, já no governo FHC (PSDB), apesar das votações simbólicas na Câmara e no Senado, o texto foi combatido pelo PT, principalmente na Câmara dos Deputados, cuja bancada votou integralmente contra o requerimento de urgência para apreciação do texto. Naquela oportunidade, a CPMF teve duração de apenas um ano, com alíquota de 0,25%.
Quando foi renovada, em 17 de junho de 1999, a CPMF voltou com alíquota maior, de 0,38%. O retorno da contribuição se deu graças a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 637/99. Sua votação em segundo turno na Câmara foi realizada na noite do dia 18 de março de 1999, quando o governo venceu a oposição pelo placar de 357 a 125. Os 97 tucanos que votaram naquela ocasião disseram sim à CPMF. Já no PT, somente um dos 54 deputados, Eduardo Jorge, votou favoravelmente.
Anos depois, em 2007, já sob gestão do ex-presidente Lula, o PT trabalhou arduamente em favor da manutenção da CPMF. A proposta de prorrogação da contribuição foi votada no dia 12 de dezembro no Senado, ocasião em que o PSDB, desta vez como oposição, trabalhou contra a CPMF e votou contra a contribuição. Apesar da vitória governista, os 45 votos a favor do texto não foram suficientes, já que para aprovação de PEC no Senado são necessários 49 votos – três quintos do total conforme o artigo 60º da Constituição Federal.
Reeleição
Em 4 de junho de 1997, portanto, no ano anterior a eleição presidencial de 1998, foi aprovada em segundo turno no Senado a controversa emenda da reeleição. Sob acusação de compra de votos para que o texto fosse aprovado na Câmara, a proposta de reeleição foi duramente criticada pelo PT.
Desde a votação na Câmara o partido já se posicionava contra a alteração constitucional que daria ao então presidente FHC o direito de disputar um segundo mandato imadiatamente subsequente ao seu. No Senado, o PT voltou a votar contra o texto. Na ocasião, a proposta teve amplo apoio do PSDB.
O próprio ex-presidente Lula se declarou contra a reeleição em abril de 2007, quando o assunto voltou a ser discutido no Congresso. Houve uma tentativa de acabar com a reeleição naquele ano, mas que acabou não prosperando. Na época, Lula acabara de tomar posse no seu segundo mandato, que disputou apesar de ser totalmente contra a reeleição.
Pelo menos nesse assunto os dois adversários históricos que tanto esbanjaram incoerência em matérias polêmicas parecem concordar. A votação da reforma política marcada para a próxima semana deverá acabar com a reeleição para cargos do Executivo com apoio de PT e PSDB.
Fonte: Último Segundo