Dilma sanciona com veto lei que restringe criação de partidos

 

Presidente veta dispositivo que criaria ‘janela’ para troca de legenda

POR ANDRÉ DE SOUZA E MAYARA MENDES

BRASÍLIA – A presidente Dilma Rousseff vetou mudança na lei dos partidos políticos que criaria uma janela para a infidelidade partidária. Na prática, isso pode beneficiar o projeto do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, de criar o Partido Liberal (PL). O texto dizia que, caso dois partidos se fundissem, políticos filiados a outras legendas poderiam migrar para a nova sigla num prazo de 30 dias sem o risco de perder seu mandato. Com o veto, as possibilidades de mudar de legenda sem ter problemas continuam restritas ao que já é permitido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE): grave discriminação pessoal dentro da agremiação política, mudança do programa partidário, ou ingresso em partido totalmente novo. Esse é justamente o caso do PL, que na última segunda-feira entrou com pedido de registro no TSE.

O dispositivo vetado pela presidente fazia parte das alterações aprovadas pelo Congresso no começo deste mês para dificultar a organização de novos partidos. Aprovada em março no Senado, a lei foi uma reação à articulação de Kassab, que, com apoio do Planalto, queria reduzir a dependência do governo em relação ao PMDB. O ministro pretendia criar o PL para atrair parlamentares sem o risco de perder mandato. Novos partidos têm regras restritivas de financiamento e tempo de TV. Assim, depois de criado, o PL se fundiria ao PSD de Kassab. Com a fusão, segundo cálculo apresentado pelo ministro à presidente Dilma Roussef, Kassab conseguiria criar a terceira maior bancada da Câmara.
A nova lei, que teve apoio do PMDB, permite a fusão de partidos que tenham pelo menos cinco anos de registro, inviabilizando a estratégia de Kassab. Esse trecho não foi vetado por Dilma, mas o PL se antecipou e fez o pedido de registro segunda à noite, antes da sanção. O partido fez questão de lembrar isso no pedido e declarou que a nova lei “torna mais rígida a verificação das assinaturas de apoiamento e consigna outras regras que, ao ver do partido, possui vícios de inconstitucionalidade, o que será objeto de questionamento ao tempo e modo apropriados”.

O PMDB e a oposição — que temem ser desidratados pelo PL — já reagiram à notícia. O líder do DEM na Câmara, o deputado Mendonça Filho (PE), disse que o partido vai à Justiça contestar o pedido de registro do PL. Isso deverá ser feito até segunda-feira. Segundo o deputado, o PMDB indicou que vai apoiá-los na ação. O mesmo deverá ser feito por partidos de oposição, como o PSDB e o PPS. Mendonça Filho também destacou que, mesmo o PL sendo criado, a eventual fusão com o PSD deve seguir as novas regras, ou seja, deveria esperar pelo menos cinco anos.

— Vamos impugnar. Estamos reunindo elementos técnicos dando suporte de que as assinaturas não foram colhidas de acordo com a legislação, além de outros aspectos — afirmou Mendonça Filho.

No pedido de registro, o PL informou que já conseguiu 167.727 assinaturas de eleitores apoiando sua criação e que “o restante das assinaturas para a integralização do apoiamento mínimo necessário, que é de 484.169, foi colhido e está em procedimento de certificação perante os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e as Zonas Eleitorais (ZE)”.

A solicitação fez ainda uma comparação com o pedido de registro do Rede Sustentabilidade em que, segundo o PL, foi aceita a junção das certidões avulsas dos cartórios eleitorais durante a tramitação do pedido e também após o seu julgamento, caso não tivesse sido obtido o apoiamento mínimo. “No presente caso, há as mesmas ocorrências que justificaram o pedido de juntada posterior feito pela Rede”, afirmou o PL no documento entregue.

A justificativa para a criação do partido seguiu a mesma linha. O partido afirmou que “por razões alheias à sua vontade”, ainda tramitam nas zonas eleitorais, para conferência, o montante de assinaturas suficiente para o seu registro. O número solicitado para direito de uso do PL foi o 88.

Integrantes do PMDB vinham cobrando que a Presidente sancionasse o projeto de lei que dificulta a fusão de novos partidos, aprovado no início do mês pela Câmara e pelo Senado. Com isso, aliados de Kassab se apressaram em entregar o pedido de registro do novo partido ao TSE.

Na mensagem de veto, Dilma cita a Constituição e entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para dizer que a fusão de dois ou mais partidos já existentes não é a mesma coisa que a criação de uma agremiação.

“Os dispositivos equiparariam dois mecanismos distintos de formação de partidos políticos, a criação e a fusão. Tal distinção é um dos instrumentos garantidores do princípio da fidelidade partidária, fundamental ao sistema representativo político-eleitoral. Além disso, tais medidas estariam em desacordo com o previsto no art. 17 da Constituição e com o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, pois atribuiriam prerrogativas jurídicas próprias de partidos criados àqueles frutos de fusões”, diz trecho da mensagem.
O ministro do TSE Admar Gonzaga avalia que o veto de Dilma foi correto. Em 2007, o TSE aprovou uma resolução permitindo que os partidos peçam os mandatos de políticos que tenham trocado de legenda. Uma das exceções é caso eles tenham migrado para partidos novos, que não existiam antes. No caso de fusão, segundo Admar, o político pode sair daquele partido sem perder o mandato. Quem quiser entrar nesse partido, no entanto, não tem a mesma garantia.

— Estão tentando equiparar fusão a criação de partido. O que acontece: do evento criação nasce um partido genuinamente novo. Agora do evento fusão não nasce um partido novo. A criação dá uma tarefa àqueles que querem criar uma legenda muito maior que em uma fusão. O partido vai surgindo de baixo para cima, do desejo popular de criação de partido. É um partido genuinamente novo. No evento fusão, dois ou mais partidos se fundem. Eles fazem uma convenção — afirmou Gonzaga, concluindo:

— Mas é genuinamente novo? Não. Abrir uma janela para que pessoas que não têm nada a ver com isso me parece a princípio uma burla à fidelidade partidária.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidente do TSE Marco Aurélio Mello concorda:

— Em caso de fusão, não pode. Aí é flexibilizar em demasia — afirmou Marco Aurélio.

Atualmente, o Brasil conta com 32 partidos políticos devidamente registrados no TSE. As regras para criação de novas legendas são determinadas pela Resolução do TSE nº 23.282/2010.

Fonte: O Globo

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