por André Barrocal
Para presidente da Associação de Ciência Política, agosto testará estabilidade nacional com denúncias da Lava Jato e ‘Fora Dilma’
Na antessala de uma denúncia criminal à Justiça por corrupção, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha(PMDB-RJ), reagiu com tiros para todo lado à revelação de um lobista de que teria cobrado 5 milhões de dólares em propina. De uma vez só, atacou Palácio do Planalto, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o juiz Sergio Moro. À luz do dia e nos bastidores, distribui ameaças de retaliação ao governo.
Para o presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, Leonardo Avritzer, o comportamento do deputado não deixa dúvidas: “Eduardo Cunha é o principal componente de instabilidade no País hoje, não é a presidenta [Dilma Rousseff]”. “Mas ele não tem nenhuma condição de sustentar esse nível de conflito com todos os poderes. Pode talvez causar um pequeno dano ao governo no ajuste fiscal”, diz.
Pode e já dá mostras de que vai. Um dia depois de o governo anunciar que iria propor ao Congresso o rebaixamento da meta fiscal de 2015, de 1,1% para 0,15% do PIB, Cunha avisou via mídia que o Planalto terá “dias difíceis” para aprovar a mudança no Parlamento. Sem a alteração, Dilma poderá incorrer em crime de responsabilidade, ponto de partida para um processo de impeachment.
Para Avritzer, a situação de Cunha lembra a do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti. Eleito para o cargo em 2005 graças ao baixo clero, tropa de parlamentares inexpressivos e apelo midiático, a mesma que deu poder a Cunha, Cavalcanti foi forçado a deixar o posto sete meses depois, sob a acusação de receber “mensalinho”. “A situação em 2005 só se estabilizou com a renúncia do Severino”, lembra o cientista político. Mas será que o baixo clero continuará com Cunha para o que der e vier? “É difícil saber, é a grande incógnita.”
A postura do baixo clero será importante para o futuro de Cunha, mas não será a única. E talvez nem a decisiva. “Ele é um presidente muito atípico. É forte no baixo clero, mas transita bem entre as lideranças da Câmara e até do Senado, como o [senador tucano]Aécio Neves.” Por isso, diz Avritzer, não é certo que as manifestações pela renúncia de Cunha feitas por deputados experientes como Miro Teixeira (PROS-RJ) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) ganhem corpo na Casa.
A iminente denúncia preparada por Janot contra Cunha será um dos elementos a fazer de agosto um mês decisivo. Uma penca de políticos processados pela Lava Jato, nova passeata “Fora Dilma”, julgamento das contas fiscais do governo, Cunha na oposição, re-indicação de Janot por Dilma para o cargo de procurador-geral. “Agosto vai testar a estabilidade das instituições políticas do País. Desde a redemocratização, nunca tantas instituições estiveram envolvidas em um momento de forte impasse”, afirma Avritzer.
E, desta vez, ressalta ele, a turbulência esperada dentro do Legislativo será de um tipo diferente. Janot denunciará não só o presidente da Câmara, como também o do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e uma leva de deputados e senadores, todos enroscadas com falcatruas na Petrobras. “Crise simultânea na Câmara e no Senado é rara. A novidade para o segundo semestre é esta, a possibilidade de crise simultânea nas duas Casas”, diz o analista.
A crise do “mensalão” em 2005 e 2006, por exemplo, limitou-se à Câmara. Nos dois anos seguintes, Calheiros e depois José Sarney (PMDB-AP) enfrentaram dramas particulares à frente do Senado, mas sem que isso contaminasse o ambiente entre os deputados.
Mesmo que também seja alvejado por Janot – e será –, Calheiros parece estar em condições melhores de sobreviver do que Cunha, na avaliação de Avritzer. “O Renan é uma crise mais clássica, ele já passou por isso antes, tem apoio forte no PMDB do Senado. O Eduardo Cunha é mais difícil de prever. Poucas pessoas atiraram em tantas direções no mesmo dia. Se ele provocar uma crise aguda entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, e não é improvável, o Renan pode se dar bem.”
Não é à toa que no PT e no Planalto, algumas vozes já aconselhem Dilma a tentar aproximar-se de Calheiros, a fim de não ter contra si Câmara e Senado ao mesmo tempo. Mas será que a petista topa mudar de postura? “Se ela tirar as lições da instabilidade do primeiro semestre, atuar junto ao Poder Judiciário, saber se defender no Congresso e falar às ruas, se for exitosa nisso, estabiliza a crise com ela. Mas, pelo que se viu no primeiro semestre, não parece provável”, afirma Avritzer.
De qualquer forma, ainda que o turbulento agosto detone uma campanha de impeachment, no embalo de manifestações de rua, “pedaladas fiscais” e mau humor do Legislativo, Avritzer entende que um Congresso devastado pela Lava Jato não tem autoridade para depor a presidenta. “Impeachment é uma questão política e legal que também exige uma base moral. Não me parece haver nem base política, nem base moral para este Congresso cassar hoje a presidenta.”
Fonte: Carta Capital