Benefícios aumentam fosso entre servidores

Vera Batista

 

Enquanto funcionários do Executivo recebem, em média, R$ 4,5 mil de auxílio-alimentação por ano, no Legislativo, o ganho é de R$ 8,7 mil; no Ministério Público, de 9,7 mil; e, no Judiciário, de R$ 10,8 mil. Reajuste não precisa ser especificado em lei

 

No serviço público, alguns são mais iguais do que outros. O Tesouro Nacional desembolsou, em 2014, R$ 11,8 bilhões, para bancar quatro benefícios para os funcionários – auxílios alimentação, transporte, creche e assistência médica complementar – dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Para este ano, a previsão inicial é de gasto de

 

R$ 12,6 bilhões com esses itens, mas vários aumentos em discussão já indicam que a fatura será maior. De acordo com os dados apresentados pelo Ministério do Planejamento, porém, há uma profunda discrepância nos valores concedidos. Um servidor do Judiciário chega a embolsar 2,4 vezes a mais que seus colegas do Executivo.

 

Essa remuneração indireta engorda consideravelmente os ganhos do funcionalismo. Em alguns casos, representa praticamente um 14º salário. Se considerarmos o auxílio-alimentação, um servidor do Poder Judiciário recebe, em média, uma subvenção anual de R$ 10,8 mil. Entre os funcionários civis do Executivo, a quantia é de R$ 4,5 mil no período. Entre os militares, o valor é menor ainda: R$ 3,3 mil. Enquanto isso, os servidores do Ministério Público da União (MPU) recebem, no período, R$ 9,7 mil. E os do Legislativo, R$ 8,7 mil.

 

A fatura não para de aumentar. Haverá um salto anual de R$ 1,3 bilhão referente ao impacto causado pela correção de três desses itens, apenas para os trabalhadores civis do Poder Executivo, autorizada pelo Ministério do Planejamento (MPOG), no último dia 20.O auxílio-creche, desde 1995 sem correção, foi atualizado em 317,3%. O auxílio-alimentação e o plano de saúde suplementar tiveram índices de 22,5% e 23%, respectivamente, considerada a inflação de 2013 e 2014.

 

Apesar do montante que salta aos olhos, esses incentivos podem ser aprovados com certa facilidade. Basta autorização, que, no caso do Executivo, não é sequer do presidente da República: o próprio Ministério do Planejamento se encarrega disso. Diferentemente da concessão de reajustes para pessoal, os benefícios não precisam de autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) ou na Lei Orçamentária Anual (LOA). No caso do auxílio-alimentação e da assistência pré-escolar, a regra impõe obediência ao limite da inflação oficial do período considerado. Já para assistência médica e para o auxílio-transporte, não há limite. Ou seja, podem ser aumentados conforme o acordo entre as partes.

 

“Em qualquer das situações, é obrigatório que seja observado o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), condicionando que a criação, a expansão ou o aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa deverá ser acompanhado, entre outras exigências, de declaração do ordenador da despesa de que o aumento tenha adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual”, complementou o MPOG.

 

Lista extensa

 

A lista de benefícios é grande em alguns casos. Inclui assistências ou indenizações, como os adicionais noturnos, de insalubridade, de periculosidade, por serviço extraordinário, por tempo de serviço; auxílios funeral, natalidade e reclusão. Além de ajudas de custo e do polêmico auxílio-moradia, entre outros. E, ainda, há várias propostas de emenda à Constituição (PECs) tramitando no Congresso Nacional com pedidos de bônus de eficiência para ativos e até para aposentados. Governo e servidores entram em choque cada vez que uma delas é incluída na pauta de discussões do Legislativo.

 

A lógica da concessão de benefícios no setor público é difícil de ser entendida pelos analistas do mercado. Eles afirmam que qualquer tipo de bônus exige contrapartida. As vantagens não são de graça. São incentivos para o aumento da produtividade e da qualidade do serviço prestado. O que não acontece, dizem, na administração pública. “A princípio, sou contra penduricalhos. Acho que o servidor deve ter bons salários, plano de carreira e treinamento permanente. É isso que entendo como valorização”, afirmou Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.

 

Ele lembrou que os servidores sempre apresentam dados unitários para mostrar que qualquer tipo de aumento tem pequeno impacto. “Quando a ótica é de apenas um servidor, parece pouco. Mas a quantidade é grande e a despesa, elevada”, assinalou. No entender de Castello Branco, os Três Poderes deveriam entrar em um acordo para fechar as portas para as regalias. “Cada vez que um privilégio é criado, as correções inflacionárias são inevitáveis. O grande problema no governo passa a ser fazer cortes. No caso do atual, não só nesses adicionais”, reforçou.

 

Inchaço

 

Castello Branco lembrou que, até o momento, o governo não cortou “na carne”. Continua com os 39 ministérios e aumentando a mão de obra. Estudos do Contas Abertas apontam que, de 2002 a 2015, foram admitidos mais 124 mil servidores e criados 30 mil cargos e funções comissionadas – para servidores ou contratados. “O lamentável é constatar que esse inchaço da máquina não repercutiu em resposta à sociedade, em eficiência ou respeito ao contribuinte”, disse. Tudo, no entanto, é um reflexo da má gestão, assinalou.

 

Até nos concursos públicos, o Brasil está no rumo errado. “Há estudos que apontam que, em comparação com países desenvolvidos, estamos ainda com um número de servidores muito abaixo do necessário. Porém, por conveniência, não se confronta também os métodos de avaliação. Nos Estados Unidos, por exemplo, o concurso é rigorosíssimo e o perfil do candidato é levado em conta na análise do cargo que ele pretende ocupar. Aqui, só é preciso marcar xis na prova e a maioria nem sabe o que vai fazer depois de aprovada”, criticou.

 

José Matias-Pereira, especialista em finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), sugeriu que os benefícios fossem negociados com o reajuste salarial, e atrelados à exigência de compensações para o público. “O custo desses benefícios, privilégios e regalias é alto para a sociedade. O governo deveria ficar de olho nas gratificações. Se for constatado compromisso do servidor com o atendimento à população, o valor deve aumentar. Se houver piora, tem que haver mecanismos para reduzi-lo.”

 

Mas, para isso, Matias-Pereira acha que seria preciso uma profunda reforma política, assunto que está fora do radar do governo. “Temos uma administração desconectada, que cria coisas que nem sabe para o que servem ou nem sequer consegue avaliar seus impactos no futuro”, criticou. “Não é que eu seja contra. Vejo esses benefícios com bons olhos. Mas não dá para fazer concessões, sem retorno claro, e com falta de gestão”, reforçou.

 

“Sou contra penduricalhos. O servidor deve ter bons salários, plano de carreira e treinamento permanente. É isso que entendo como valorização”

 

Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas

 

“O governo deveria ficar de olho nas gratificações. Se for constatado compromisso do servidor com o atendimento à população, o valor deve aumentar. Se houver piora, tem que haver mecanismos para reduzi-lo”

 

José Matias-Pereira, professor da UnB

Correio Braziliense

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