Em 2001, o Brasil sofreu uma vergonhosa condenação que marcou para sempre a luta das mulheres brasileiras por respeito e contra a violência. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) condenou decretou nosso país omisso, negligente e intolerante em relação a crimes contra os direitos humanos das mulheres. O caso que gerou essa condenação ficou mundialmente conhecido, foi o caso da cearense Maria da Penha.
Maria da Penha levou o Brasil a sentar no banco dos réus após ser vítima de duas tentativas de homicídio que se arrastavam por 18 anos sem uma sentença definitiva por parte do poder judiciário. O agressor seguia impunemente livre e essa situação só mudaria após a decisão da CIDH/OEA. Foi a primeira vez que um caso de violência doméstica chegou à OEA, o que mudou, para sempre, esse debate em solo brasileiro.
Antes da condenação, os autores desses tipos de crime sequer eram punidos, pois a violência doméstica era tratada como ofensa de menor potencial, compensada até com distribuição de cesta básica. Entre as recomendações feitas pela OEA, o Brasil precisaria finalizar o processamento penal do responsável pela agressão contra Maria da Penha, indenizá-la simbólica e materialmente pelas violações sofridas e adotar políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. Até então, o Brasil não contabilizava as vítimas por mortes em virtude de machismo. Hoje, sabemos que somos, vergonhosamente, uma nação campeã nesse tipo de violência brutal.
O Brasil é signatário de todos os acordos internacionais que asseguram direta ou indiretamente os direitos humanos das mulheres. Entre eles, as Recomendações da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará, de 1994), e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979). Enquanto uma frente buscou revelar internacionalmente a omissão do Brasil em relação ao assassinato de mulheres, uma outra trabalhou pela criação, no país, de uma lei que protegesse a mulher e a família nesses casos. Assim nasceu a Lei Maria da Penha.
Somente em 2006, no entanto, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/16) – 23 anos depois do caso que lhe deu origem, foi aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente da república, Luís Inácio Lula da Silva. Relatada pela deputada federal Jandira Feghali, a lei acabou com a punição por cestas básicas e se consolidou como um dos mais importantes marcos em defesa da vida e da dignidade das mulheres em nosso país.
“Não sinto ter havido Justiça no meu caso, mas sei que contribuí para mudar a vida das pessoas. Sem isso, nada teria mudado. Antes da Lei n. 11.340, não havia a quem recorrer. Ela veio para garantir um futuro sem violência para as nossas filhas, nossas netas, e todas as mulheres brasileiras. Isso é o que importa”, afirmou Maria da Penha em entrevista a grandes meios de comunicação.
Além de acabar com punição com base em cestas básicas para aqueles que praticam a violência doméstica, a lei prevê a promoção de campanhas educativas; ensinos de conteúdos sobre direitos humanos, igualdade de gênero e violência nas escolas; capacitação permanente das Polícias e demais profissionais que lidam com estes casos.
Descaso na prevenção
Mas nem tudo são flores! Apesar de ter implementado parte das orientações da corte internacional, o Brasil corre o risco de voltar a receber nova advertência por conta do alto número de feminicídios no país.
A Lei Maria da Penha completa 12 anos de existência nesse 7 de agosto e o número de processos que tramitam no Judiciário relativos a esse tema chega a quase 1 milhão, sendo 10 mil casos de feminicídio (cuja lei só foi aprovada em 2015). Para Maria da Penha, que hoje trabalha com a sensibilização da sociedade por meio de sua ONG Instituto Maria da Penha, é mais que urgente que o Brasil cumpra a Lei que leva seu nome no aspecto educacional.
“Para curar o machismo, é preciso mudar hábitos e comportamentos que diminuem e desqualificam a mulher. O machismo mata, e a omissão pode situar o Estado como cúmplice”, diz Penha.