SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

TRABALHO INTERMITENTE NA PRODUÇÃO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

Dentre todas as mazelas que vêm sendo noticiadas pelo governo pós-impeachment, as reformas legalistas das regras do trabalho e da previdência são o grande destaque e, dentro dela, a contratação pelo regime jurídico intermitente, cruel e abusivo.

Esta situação me fez pensar em La Boëtie, no seu livro O discurso sobre a servidão voluntária: “Afinal, de onde o governante, tira a força necessária para manter os súditos em estado de permanente servidão?”

Nesta modalidade de contrato trabalho, são alternados períodos de prestação de serviços e de inatividade que são determinados por horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador; o objetivo é a produção e, por isso, produzimos e produzimos até a exaustão e, depois disso, continuamos prosseguindo  metas que serão sempre substituídas por outras.

A atividade laboral nunca acaba e, quando escurece, podemos nos transferir para o “home Office”. É esgotante, mas se isto não for suficiente, podemos ainda mensurar a satisfação. O resultado é uma sociedade fatigada, empobrecida, frustrada, de desejos capturados, gerando sujeitos depressivos, sem ânima incitados a continuar produzindo mais e eficientemente; o maquinismo nos toma por dentro e não nos damos conta da relação e do emaranhado do poder que se faz e do vínculo que temos com ele. O afeto institucional e a boa intenção de trabalhar a qualquer custo e preço criam afecções no corpo, nos produz e nos atravessa e, essa modalidade de relação, tem efeitos em nosso modo de existir, e que nem sempre refletimos ou colocamos em análise, simplesmente vamos produzindo, vendendo nosso labor por qualquer contrato, imbuídos pela urgência do trabalho e na enganosa satisfação deste fazer urgente, e no fazer sendo e, neste sendo, produzindo sem refletir outra amarra para a produção organizacional.

Na reflexão desse absurdo da servidão voluntária, La Boëtie aponta algumas causas: o costume tradicional, a degradação programada da vida coletiva, a mistificação do poder,  e o interesse da classe dominante.

Será que a compulsão do mundo pós-moderno de investimentos externos reluzentes e apetitosos nos fez servos modernos, complacentes e docilizados, de virtuosas obediências regadas a normas e hierarquias de uma sociedade disciplinar e de controle que neste momento sequer nos permite reagir?  Ou será prazer no sofrimento nos levando a algum lugar no gozo da vida?

De qualquer forma, sem pretender responder aos questionamentos de La Boëtie e, enquanto não possuímos o ímpeto de buscar uma linha de fuga, vamos sendo  passivamente conduzidos por uma rede de interesses dúbios trançadas em nós e de boa amarração que nos liga cada vez mais a camadas corrompidas, extensas cadeias de dominantes ávidos a negociar as vantagens e riquezas materiais disponíveis no leilão do dia.

Para o pensador, a última causa geradora da servidão voluntária, aquela que ele considera “o segredo e a mola mestra da dominação, o apoio e fundamento de toda tirania”, é a rede de interesses pessoais do tirano, em conluio com os serviçais do regime e, a sensação que fica, é que o povo afunda cada vez mais numa lama aquecida, sem se dar conta desta imersão, como se ela fosse o banhar-se manso em águas rasas e tranquilas de algum resort do oceano pacífico, até que as reformas governamentais nos ponha o último grilhão.

foto Art/Ref

Marcia Silva

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