Sobre novas bases

por Márcia Jaime e Marco Antônio Rodrigues Barbosa*

Por que apoiar o projeto de reforma política proposto pela OAB e companhia

O fim da ditadura e a Constituição de 1988 constituem marcos na história recente do Brasil. Apesar dos “arranjos políticos”, graças a um intenso processo de mobilização social foi possível construir uma correlação de forças mais favorável às conquistas sociais e ao aprofundamento democrático. As manifestações populares nas ruas tiveram um papel importante nesse processo.

As forças conservadoras estão, no entanto, sempre presentes e em um cenário de decomposição das bases governistas. Com a queda da popularidade de Dilma Rousseff, somada à piora no cenário econômico e aos escândalos de corrupção, as manifestações de rua reaparecem agora e na contramão das mobilizações das últimas três décadas, criando espaço para novo avanço dessas forças conservadoras.

Com efeito, propostas engavetadas há anos ganham força no Congresso Nacional, a exemplo da PEC da redução da maioridade penal, do Projeto 4.330, aprovado pela Câmara dos Deputados, que amplia as hipóteses de terceirização das relações trabalhistas, e da malfadada reforma política, a chamada PEC Vacarezza, que confere status constitucional ao financiamento por empresas das campanhas eleitorais. Tais projetos constituem retrocessos gravíssimos para a sociedade brasileira.

De todas as faixas exibidas na última manifestação, uma, a que dizia “Basta de Paulo Freire”, revelava muito do caráter conservador que tomou conta das manifestações de rua e de uma parcela da opinião pública nacional. Paulo Freire, o notável educador brasileiro reconhecido internacionalmente, com obra premiada pelas maiores universidades do mundo, orgulho para os brasileiros, é alvo de manifestantes, que, sob o escudo da luta contra a corrupção, engrossam as fileiras do atraso. Saudosos dos tempos da Guerra Fria, os manifestantes vociferam mantras que resultaram em golpes militares no Brasil, Uruguai, Chile e Argentina.

Democracia, entretanto, é valor permanente, obra de todo dia, de todos os cidadãos, e aqueles que hoje estimulam a criminalização da política e dos partidos, o ódio, o preconceito, a intransigência, a desinformação e a intervenção militar, jogam lenha na fogueira do atraso, do retrocesso político e social.

Não nos iludamos com as tais manifestações de rua tão aplaudidas pela maioria dos meios de comunicação. Como observa Mauro Santayana, veterano e brilhante jornalista, em artigo recente: “Um país cada vez mais influenciado por uma direita ‘emergente’ e boçal, abjeta e submissa ao estrangeiro e preconceituosa e arrogante com a maioria da população brasileira, estúpida, golpista e violenta, que está estendendo sua influência sobre setores de classe média e do lúmpen proletariado, e crescendo como câncer na estrutura da administração do Estado, na área de segurança, nos meios religiosos, na mídia e na comunicação”.

A corrupção no Brasil tem raízes históricas e origem colonial. A documentação é farta e os escândalos, também. Os casos recentes (Operação Lava Jato, Metrô de São Paulo, mensalões petista e tucano, lista de contas secretas no HSBC da Suíça, empresas sonegadoras) são apenas alguns exemplos.

É fato que a corrupção sempre existiu, em maior ou menor grau, como é fato também que, nos últimos tempos, o processo de investigação e punição desses crimes está mais apurado. O debate sobre a corrupção é saudável, assim como seu combate, e é preciso reconhecer avanços significativos para extirpar esse mal. A luta contra a corrupção é legítima, necessária e democrática, mas não nos deixemos enganar. É preciso qualificá-la, dar-lhe sentido com propostas que conduzam ao aprimoramento da democracia e fortalecimento da participação popular.

Os partidos e os políticos são essenciais à vida democrática. É chegada a hora da reforma político-eleitoral. A construção de uma democracia política, econômica, social e cultural no Brasil hoje passa, obrigatoriamente, pelo nosso sistema eleitoral. Unamos nossa indignação e esforços na luta pela reforma político-eleitoral. Não haverá reforma do sistema eleitoral sem participação popular.

A propósito, há anos tramitam no Congresso Nacional projetos de lei sobre o tema, mas sem consenso não são levados à votação. A CNBB, a OAB e mais de cem entidades elaboraram um projeto de lei de iniciativa popular. Vejamos a proposta:

  • Proibição de financiamento de campanhas por empresas e adoção do financiamento democrático – Está prevista a criação de um fundo público de recursos e o limite de doações de pessoas físicas em 700 reais, além da proibição de contribuições por empresas. Os gastos com campanhas eleitorais serão controlados pela internet em tempo real.
  • Eleições proporcionais em dois turnos – A eleição de candidatos a cargos proporcionais (senadores, deputados e vereadores) será realizada em dois turnos. Em um primeiro momento os eleitores votam em uma lista elaborada pelos partidos políticos e no segundo turno em um candidato.
  • Paridade de gênero na lista pré-ordenada – Fica garantida, assim, a paridade de gênero na composição das listas pelos partidos.
  • Fortalecimento dos mecanismos de democracia direta (plebiscito e referendum) em decisões nacionais importantes – O projeto amplia a participação da sociedade por meio de mecanismos de democracia direta (plebiscito e referendum) em discussões de interesse nacional.

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, pretende votar no segundo semestre de 2015 a Emenda Vacarezza (PEC 352/2013), que mantém o financiamento de campanhas eleitorais por empresas. Esse é o sistema que alimenta o relacionamento promíscuo entre o Estado, partidos políticos e empresas. O resultado todos conhecemos: sucessão de escândalos a envolver vultosas quantias fruto da corrupção.

O projeto de iniciativa popular, apresentado pela CNBB, OAB e mais de cem entidades, está em fase de coleta de assinaturas e objetiva exatamente impedir que tudo continue como está. São necessárias 1,5 milhão de assinaturas. Os interessados podem acessar o site reformapoliticademocratica.org.br.

Vamos apoiar esse projeto de iniciativa popular. Assim poderemos avançar na construção de uma sociedade mais justa e democrática.

 

*Márcia Jaime é advogada, foi vice-presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo e Marco Antônio Barbosa é advogado, presidiu o Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana e a Comissão Justiça e Paz de São Paulo.

Fonte: Carta Capital

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