Decisões importantes sobre o financiamento eleitoral e a Lava Jato
O Supremo Tribunal Federal entendeu, por larga maioria, que o ministro Teori Zavascki não é o relator natural no processo contra a senadora petista Gleisi Hoffmann. O nome da parlamentar foi ventilado na Operação Lava Jato, mas o fato refere-se à suspeita de conduta criminosa no âmbito do denominado eletrolão, sem conexão probatória com fatos dados como ilícitos e relativos à corrupção na Petrobras.
No direito brasileiro, e em caso da competência do STF, não existe nenhuma regra a determinar a concentração de todas as apurações em mãos de um único ministro relator. Entre nós vigora a garantia do juiz natural, também chamado de juiz constitucional e conceituado pela doutrina como aquele pré-constituído pela lei: existente antes da descoberta de um fato sob suspeita de criminoso.
Quando não há conexão ou continência probatória, não existe um só juiz competente para todos os casos de corrupção ocorridos no território nacional. O STF, no caso da senadora e pela falta de conexão e continência, entendeu ser o caso de sortear outro relator. O contemplado pela distribuição foi o ministro José Dias Toffoli. Decisão tecnicamente perfeita.
Para aqueles sem foro privilegiado, resta perguntar, em primeiro lugar, sobre o chamado locus comissi delicti, em outras palavras, o lugar onde o delito, ou delitos, do eletrolão foi consumado e se existe, por ter tomado por primeiro conhecimento do fato, a prevenção do foro de Curitiba e o juízo da vara federal onde é titular o juiz Sergio Moro e atua um pool de procuradores federais. Com o costumeiro rigor técnico processual, bem colocou o ministro Zavascki caber a Moro afirmar ou não a sua competência, conceituada como a “medida da jurisdição” de um magistrado. Por evidente, caberá recurso à decisão do juiz.
No nosso sistema constitucional processual garante-se, por cláusula pétrea prevista no artigo 5º, a impossibilidade de um juiz ou tribunal de exceção. Ninguém poder ser processado ou sentenciado senão pela autoridade competente. O princípio do juiz natural, também chamado de juiz constitucional, evita que, sem competência, tenhamos um Ministério Público Federal e um juiz federal para todos os casos de corrupção no Brasil. Se a garantia constitucional for violada, teremos nulidade.
Histórica foi a decisão do Supremo ao entender inconstitucional a doação realizada por empresas para fim eleitoral. A cidadania confere apenas à pessoa física, natural, o atributo de votar e ser votado. Assim, só a pessoa natural está legitimada a realizar doações eleitorais.
A empresa, pessoa jurídica, representa uma ficção e pela força do poder econômico pode influenciar, muitas vezes, no resultado das eleições. Nos países democráticos, a regra fundamental é a garantia da par condicio, ou melhor, a igualdade de tratamento entre os concorrentes. Assim como no esporte o dopping quebra a almejada igualdade entre os competidores, o poder econômico pode, no campo eleitoral, resultar em semelhante abuso.
Pela legislação brasileira dada como inconstitucional pelo STF, uma empresa podia doar 2% do faturamento bruto do ano anterior. Já uma pessoa física, e essa regra continua em vigor, pode doar 10% do seu rendimento do ano anterior. Para se ter ideia, em 2014, só o grupo JBS doou 350 milhões de reais. Como se sabe, congressistas tiveram campanhas turbinada com dinheiro doado por empresas.
Nos Estados Unidos, ficou famosa a doação de 36 milhões de dólares pelas empresas de Sheldon Adelson, maior empresário americano do ramo de cassinos. Lá o sistema de contribuição é particular. Nem os partidos nem os candidatos estão aptos a receber contribuições de empresas ou de indivíduos. A arrecadação é feita por comitês políticos para ações de veiculação de propaganda. Doações podem ser recebidas de sindicatos, empresas e eleitores.
O Brasil não é o único país a proibir doações por empresas. Outros 39 países o fazem, entre eles o Canadá, a França e Portugal. Na Alemanha, depois do escândalo de caixa 2 do partido CDU-Schwarzgeldaffare (Democracia Cristã) e a consequente queda do então chanceler Helmut Kohl, as contribuições eleitorais passaram a ser fiscalizadas com rigor. Por decisão da Corte Suprema, doações não podem ser abatidas da declaração de Imposto de Renda.
Dada a inconstitucionalidade declarada pelo STF, os partidos, além da contribuição voluntária de pessoas físicas, incerta nos dias atuais em razão do continuado desprestígio dos partidos e dos políticos, contarão com o Fundo Partidário, estabelecido no Orçamento da União (868 milhões em 2015).
Para os otimistas, a decisão do STF teria sinalizado para o financiamento público das futuras campanhas. Em tempos econômicos bicudos, com a Lava Jato no meio, propor financiamento público soa como vitupério ao cidadão.
Fonte: Carta Capital