A proposta do governo federal de limitar os gastos com servidores, conforme consta do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016, publicado no Diário Oficial da União, pode abrir uma guerra entre o Executivo, de um lado, e o Legislativo e o Judiciário, de outro. Isso porque, de acordo com a Constituição, cada um dos Poderes tem autonomia para reajustar livremente os salários de seus funcionários. Pela primeira vez, o Executivo está tentando limitar os reajustes salariais das outras áreas.
“Cada poder é autônomo, tem seu titular e seu respectivo teto salarial. Vai ser uma disputa grande entre os Poderes, se houver mudança. Mas é possível haver uma conciliação sobre as determinações constitucionais porque a Lei de Responsabilidade Fiscal também precisará ser respeitada”, explicou Roberto Bahia, professor de direito constitucional da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP).
Ao entregar o projeto ao Congresso, na quarta-feira, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, informou que a ideia é definir um valor máximo para a elevação das despesas, além do crescimento vegetativo da folha de pagamentos, levando em consideração “o espaço fiscal disponível”. O limite será discutido nos próximos meses e será definido apenas em agosto, quando o governo enviar ao Legislativo o Projeto da Lei Orçamentária Anual (Ploa).
O diretor para a América Latina do Eurasia Group em Washington, João Augusto de Castro Neves, acredita que a equipe econômica da presidente Dilma Rousseff terá problemas para aprovar a mudança. “Os interesses do Congresso Nacional podem não respeitar os do Executivo, e eles devem argumentar que essa mudança é inconstitucional, mas é preciso lembrar que, para todo gasto, é preciso ter uma previsão de receita”, disse ele, lembrando que apenas o Executivo é responsável pela a arrecadação do Orçamento da União.
Para Neves, a limitação prevista na LDO é uma tentativa do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de criar uma margem de manobra para poder negociar futuramente tanto com o Legislativo quanto com o Judiciário. “Ele mira um pouco mais acima, para ser mais rígido, e, assim, tem espaço para ceder lá na frente. É o que tem ocorrido nas negociações para mudar os prazos de acesso ao seguro-desemprego. Ele elevou de seis para 18 meses e, agora, negocia 12 meses”, disse, referindo-se à Medida Provisória nº 665, em discussão no Congresso.
Na avaliação do especialista em finanças públicas e tributação Fernando Zilveti, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a maior resistência pode vir do Judiciário, que tem, hoje, o maior teto do funcionalismo. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, sempre defendeu a autonomia dos Poderes, lembra Zilveti. “Vai ser muito difícil esse limite ser aceito tanto na Câmara quanto no Senado. Nem mesmo o presidente do STF deve aceitar porque ele é visivelmente contra o teto”, destacou.
Procurado, o STF não deu resposta até o fechamento desta edição. O líder da oposição no Senado, Álvaro Dias (PSDB-PR), disse ser favorável ao limite para o reajuste do funcionalismo. “O momento é de apertar o cinto e evitar o péssimo exemplo dos setores privilegiados”, destacou. No entanto, uma fonte da base governista no Congresso avaliou que a resistência dos parlamentares será grande. “O governo vai ter trabalho para convencer os aliados”, disse ela.
O jurista Ives Gandra Martins, no entanto, não acredita que haverá conflito entre os Três Poderes, a não ser no debate das propostas, mas com a preservação do regime democrático. “O Legislativo, se fizer algo inconstitucional, será barrado pelo STF. Por outro lado, o Supremo, na sua história, sempre manteve a estabilidade das instituições. Nenhum dos Três Poderes, se houvesse conflito, gostaria de adotar a fórmula do artigo 142 da Constituição, que dá às Forças Armadas o poder de restabelecimento da ordem e da lei”, avisou.
Realismo
O projeto da LDO de 2016, na avaliação de especialistas, está mais realista do que os dos anos anteriores, ao admitir queda de 0,9% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e uma inflação em linha com o mercado, de 8,2%. “Esse foi um avanço importante, que confirma o compromisso de direcionar as contas públicas para o caminho correto”, elogiou o economista Octavio de Barros, diretor do Departamento de Pesquisas Econômicas do Bradesco.
Proporcionalidade
O limite dos aumentos dos gastos de cada poder respeitará a participação de cada um deles na despesa da folha. Nesse caso, os percentuais são de 85,6% para o Executivo, incluindo Ministério Público da União (MPU) e Defensoria Púbica da União (DPU); de 10,8% para o Judiciário, e de 3,6% para o Legislativo mais o Tribunal de Contas da União (TCU). O objetivo do governo, é, pelo menos, manter estável a despesa com pessoal em 4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Contradição
Apesar de os Três Poderes serem iguais perante a lei, a remuneração é diferente. Enquanto um juiz do Supremo recebe R$ 33,7 mil, o salário da presidente da República, principal cargo do Executivo, é de R$ 30,9 mil. “Isso é uma contradição. Há uma lei, que não pegou, dizendo que ninguém pode ganhar mais do que o presidente da República. Qualquer coisa para mudar esse quadro seria bem-vinda”, destacou o professor da Fundação Getulio Vargas Fernando Zilveti.
Fonte: Correio Braziliense