Deputados rejeitam que mulheres garantam 10% de vagas no Congresso

Deputados não incluíram na Constituição que 51 das 513 cadeiras seja para deputadas

Deputadas se unem para atuar em bloco contra o machismo na Câmara

Os deputados brasileiros impediram nesta terça-feira a criação de um mecanismo que garantiria a maior presença de mulheres nas casas legislativas brasileiras. Em uma votação permeada por observações machistas, eles não aprovaram uma emenda que incluiria na Constituição a reserva de 10% das vagas para deputadas, senadoras e vereadoras. A regra não traria mudanças bruscas. Apenas transformaria em lei a representatividade que já existe atualmente na Câmara, por exemplo, aumentando gradativamente, pelos próximos 12 anos, a proporção para 15%.

O Brasil, onde 52% dos eleitores é mulher, ocupa hoje o posto número 156 em um ranking de 188 países que considera a representação feminina no Parlamento feito pela União Interparlamentar. Está atrás até de países onde as mulheres têm menos direitos do que homens. Nas eleições do ano passado, 51 mulheres foram eleitas, mas uma está afastada para ocupar cargo executivo. São, portanto, apenas 50 deputadas atuantes dentre os 513 deputados –uma taxa que, arredondada para mais, consegue alcançar 10% das cadeiras. O número, apesar de baixo, traz um aumento em relação à legislatura anterior, onde havia 45 mulheres. Não há, entretanto, nenhuma garantia de que ele não voltará a cair nas próximas eleições, por isso a aprovação da emenda era importante.

A bancada feminina, que neste ano mudou sua estratégia e decidiu votar em um bloco único nas questões mais importantes, não conseguiu o apoio dos 308 deputados necessários. Faltaram apenas 15 votos para que a emenda, discutida durante a reforma política, fosse aprovada.

O texto votado nesta terça era uma concessão. Era a versão de um acordo feito entre as lideranças partidárias e a bancada feminina. Inicialmente, a intenção delas era de que 30% das vagas de cada coligação partidária fossem preenchidas por mulheres, mas a proposta enfrentava muita resistência dos partidos maiores, que seriam os mais afetados. Após o acordo, o texto mudou a proporção para 10% das vagas que cada Estado tem direito no Congresso federal. A Bahia, por exemplo, com 39 vagas, deveria ter quatro deputadas –hoje tem três. Há cinco Estados que não conseguiram eleger nenhuma deputada mulher (Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraíba e Sergipe).

A cota, se aprovada, também valeria para os legislativos municipais e estaduais. A proposta aumentaria ainda participação feminina de forma gradativa. Na segunda legislatura depois de sua aprovação (iniciada em 2023, no caso federal), o número subiria para 12%; na terceira (a partir de 2027), para 15%. Depois, a regra deixaria de existir sob o argumento de que as mulheres teriam criado uma base para conseguir manter a representação sem a ajuda.

Entre muitos dos discursos feitos no Plenário, argumentava-se que o que se pedia era muito pouco. Nada além da representação que já existe. Mas a votação na noite desta terça foi marcada em muitos momentos por discursos que flertaram com o machismo, mesmo entre os defensores da regra. Um deputado chegou a dizer que era a favor da proposta “porque o Plenário ficaria mais bonito”. Outro, defendeu a aprovação por ser “importante dar um voto de confiança às mulheres”. Mas houve quem afirmou que a cota era “injusta” porque não considerava o mérito dos eleitos. “O artigo quinto da Constituição diz que todos são iguais independentemente de sexo e cor. Não há injustiça na disputa sadia. O que não é justo é que uma minoria, pequena e de pouco trabalho, conquiste uma cadeira que não é fácil”, discursou o delegado Edson Moreira (PTN-MG). “Se passar essa norma, todos estarão fazendo cirurgias para mudar de sexo”, completou.

Nenhum partido orientou seus deputados a votarem contra, por temerem associar suas siglas à derrota feminina. Mas apenas oito dos 16 blocos partidários orientaram a favor. Os outros oito liberaram seus deputados, incluindo o do PMDB e o PSDB, que estão entre os maiores. Dos 54 peemedebistas, 14 foram contrários; dos 51 tucanos, 12 (17, entretanto, preferiram se abster). A lista de como votou cada parlamentar pode ser vista aqui.

Pouco antes da votação ser encerrada, as deputadas se concentraram atrás do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que anunciaria o resultado, na expectativa de comemorarem juntas. Elas sabiam, entretanto, que a votação seria apertada. Ao se anunciar que haviam sido dados apenas 293 votos favoráveis à proposta, 15 a menos do que o necessário, elas desceram do palanque, em silêncio, resignadas. Uma faixa que pedia a paridade foi baixada.

Vagas eleitorais

O país aprovou em 2009 uma lei que estipula que ao menos 30% das vagas dos candidatos nas eleições devem ser de mulheres. As deputadas afirmam, entretanto, que a regra não garantiu a paridade porque muitas candidatas são preteridas em relação aos homens nos financiamentos de campanha ou no tempo gratuito que têm na televisão. Com isso, elas acabam tendo menos chance de vencer por terem menos visibilidade na disputa. “Essa regra se mostrou ineficiente. É preciso que se garanta a presença das mulheres em todos os níveis para que se possa construir as bases. É uma questão cultural, mas mulheres são 52% do eleitorado do país”, disse ao EL PAÍS a deputada Soraya Santos (PMDB-RJ).

Apesar da derrota, Santos comemorou a quantidade de votos conseguida nesta terça-feira e disse que o objetivo agora é trabalhar para convencer os senadores a aprovarem a emenda. Caso isso aconteça, o projeto tem que voltar novamente para a Câmara, para uma segunda votação.

Para a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), militante feminista, foi uma conquista reverter a opinião de tantos deputados em um Congresso tão conservador. Com isso, acredita ela, seria possível arriscar apresentar uma nova Proposta de Emenda à Constituição no ano que vem, que trate apenas da cota para mulheres.

Mais reforma

A Câmara também aprovou nesta terça outros pontos da reforma política, que entrou na terceira semana de discussão. Entre eles, a determinação de perda de mandato do político eleito que se desligar do partido, salvo em casos de “grave discriminação pessoal, mudança substancial ou desvio reiterado do programa praticado pela legenda”; a diminuição na quantidade de assinaturas necessárias para aprovar projetos de iniciativa popular (de 1,5 milhão para 500.000); e a exigência de impressão dos votos de todos os eleitores após o voto eletrônico. As medidas seguem para votação no Senado.

Fonte: El País

 

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