Como o banco dos BRICS altera a geopolítica financeira

por Deutsche Welle

 

Três fatores fazem do Novo Banco de Desenvolvimento um mecanismo capaz de diversificar as possibilidades de cobrir o déficit de infraestrutura dos países emergentes, fora do eixo EUA-Europa

 

A sétima cúpula dos Brics, que começou nesta quarta-feira 8, na cidade russa de Ufá, simboliza um impulso para a consolidação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD). A instituição criada em julho de 2014 pelas nações que integram o grupo de emergentes – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – pretende financiar os primeiros projetos de desenvolvimento sustentável em países pobres já a partir do ano que vem.

 

Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, o banco dos BRICS marca um fenômeno amplo: a diversificação das fontes de financiamento para cobrir o grande déficit de infraestrutura nos países emergentes.

 

“É a primeira instituição financeira de caráter global que não é liderada pela Europa ou pelos Estados Unidos”, diz Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV-SP. “Esse banco simboliza o fim do domínio de algumas instituições, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.”

 

O acordo para a criação do banco de fomento a investimentos públicos entrou em vigor no dia 3 de julho. O banco terá sede em Xangai, na China, e será presidido durante um primeiro mandato de cinco anos pelo indiano K. V. Kamath. O capital inicial é de 50 bilhões de dólares, somado a um fundo de resgate financeiro – Arranjo Contingente de Reservas – no valor de 100 bilhões de dólares. Os líderes dos BRICS definem os detalhes do funcionamento da instituição nesta quarta e quinta-feira, durante a cúpula.

 

Para Adriana Abdenur, pesquisadora do Brics Policy Center, centro de pesquisas ligado à PUC-RJ, a importância do banco para a economia brasileira vai depender do nível de envolvimento das empresas do país nos projetos financiados pela instituição.

“Embora nossas construtoras tenham bastante experiência em projetos de infraestrutura pesada, elas se encontram num momento conturbado, com a Operação Lava-Jato atingindo as chamadas ‘campeãs nacionais'”, explica.

Segundo a pesquisadora, a participação brasileira terá mais valor político do que econômico no início, mas poderá abrir portas para oportunidades importantes no plano econômico.

 

O professor da FGV destaca que é importante para o Brasil participar da criação do banco, mesmo num momento de crise econômica. “Fazer parte da implementação desse banco apesar da crise interna e dar sua contribuição pode aumentar a legitimidade do Brasil nos debates globais”, opina.

 

No cenário mundial, o banco dos Brics é visto como um instrumento capaz de alterar a geopolítica financeira. Listamos três fatores:

 

O PIB da China é maior que o dos demais países do BRICS somados. O controle que o capital chinês pode exercer sobre os outros emergentes do grupo divide os especialistas. Stuenkel vê o banco como uma oportunidade de “legitimizar” e “despolitizar” o dinheiro chinês, já que os recursos da instituição provêm de todos os países.

 

“Isso possibilita a aplicação de capital nos outros BRICS sem ser oficialmente ‘dinheiro chinês’. É muito melhor ter a China dentro de instituições como essa do que lidar com o país de forma bilateral”, diz. Ele também considera positivo o fato de a China concordar em seguir normas e regras de transparência para se integrar à instituição bancária.

 

Segundo Abdenur, o novo banco serve como instrumento de pressão para que mudanças concretas ocorram nas grandes instituições financeiras mundiais. O FMI e o Banco Mundial, criados em 1944 pelo Acordo de Bretton Woods, não cedem quando o assunto é dar mais voz e maior poder de decisão a países em desenvolvimento.

“Para os emergentes, é extremamente saudável poder contar com várias fontes de financiamento, o que talvez também ajude a aumentar a eficácia das próprias instituições de Bretton Woods”, avalia Abdenur.

 

“Os membros dos BRICS, assim como outros países emergentes, reivindicam reformas há anos”, assinala Stuenkel. “O Banco Mundial, por exemplo, não consegue suprir a falta de infraestrutura na África e na Ásia.”

 

Georgy Toloraya, diretor do Comitê Nacional de Pesquisa dos BRICS, com sede em Moscou, avalia que a nova instituição não pode, por exemplo, substituir o Banco Mundial, mas pode complementar o financiamento aos emergentes. Segundo ele, o NBD não terá o mesmo arranjo de reserva que o FMI, mas poderá ser usado em situações de emergência.

 

Para Stuenkel, o desafio do Brasil é evitar que a Rússia converta o BRICS numa “plataforma antiocidental”. “Moscou pode tentar incluir uma linguagem de confronto na declaração final da cúpula, mas os outros países não vão deixar”, aposta. “O objetivo brasileiro é conseguir ter boas relações com todas as partes e evitar que o BRICS se torne algo radicalizado.”

 

A criação do banco assumiu uma importância especial para a Rússia, em função das tensões vividas entre o país e o Ocidente no último ano, na opinião de Andrey Vinogradov, diretor do Centro para Pesquisa Política da Academia Russa de Ciências.

“Num primeiro momento, o banco do Brics será um complemento a essas instituições. E, na minha opinião, a concorrência geralmente faz a eficiência aumentar”, diz Vinogradov.

 

Fonte: Carta Capital

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