‘Com terceirização, Brasil volta a concentrar renda’

por Wanderley Preite Sobrinho

Para presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, PL 4330 vai proteger os ganhos dos empresários à custa da informalidade

Depois de 20 anos, a desigualdade de renda no Brasil voltou a aumentar em 2013. A informação, do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), indicava que a variação do índice interrompeu a redução das diferenças de renda que marcaram principalmente os primeiros anos do PT no Palácio do Planalto.

À época atribuído à crise econômica mundial, a diferença de renda entre ricos e pobres voltará a ser regra nos próximos anos com a aprovação do Projeto de Lei 4330/04, que autoriza a terceirização de todas as atividades de uma empresa, diagnostica Rafael Marques, presidente do sindicato mais tradicional do Brasil, o dos Metalúrgicos do ABC.

Depois de uma era de programas sociais, como o Bolsa Família, e aumento real do mínimo, o 4330 deve “achatar salário, aumentar a jornada, diminuir o tempo no emprego” em favor da segurança financeira do empresariado. “É o retorno do Brasil à concentração de riquezas”, diz ele em entrevista a CartaCapital.

Para o líder trabalhista, o PT “descuidou” de seus candidatos de base social nas últimas eleições, enfraquecendo a bancada sindical, hoje com 32 parlamentares a menos. A esperança está depositada no veto da presidenta Dilma Rousseff, que permanece sem dialogar com o movimento sindical. Mas, e se ela não vetar? “Aí o desencanto será grande.”

Leia a entrevista:

CartaCapital: O que o senhor achou da aprovação do PL 4330/04 pela Câmara dos Deputados?

Rafael Marques: Um desastre. A gente vem lutando há muito tempo para o Brasil começar a distribuir renda. Criou-se o Fies, o ProUni, a valorização do salário mínimo. As terceirizações marcam o retorno do Brasil à concentração de riquezas. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] agora só financia grandes projetos.

É uma paulada que mais uma vez concentra as riquezas para os patrões enquanto achata salário, aumenta a jornada, diminui o tempo no emprego, aumenta a insegurança no ambiente de trabalho. A terceirização para qualquer atividade é uma porrada justamente em um momento em que o Brasil precisa sair da crise, fazer a economia crescer. A crise é uma péssima conselheira. Não podemos nos nivelar ao México, à Índia, onde há terceirização. Esses não podem ser nossos exemplos.

CC: Qual será os reflexos da lei para os metalúrgicos do ABC?

RM: Hoje a terceirização atinge setores como vigilância, manutenção predial, estacionamento. Mas a negociação é conosco. Só terceriza depois de negociar com o sindicato. Mesmo assim, há um nível enorme de diferença em relação aos efetivos. Essas empresas não indenizam seus funcionários, mesmo tendo negociado…

 

Mas, se o projeto for aprovado, vamos resistir. Aqui há uma rara capacidade de luta. Ninguém vai chegar dizendo “vou terceirizar e acabou”. Se não conseguirem terceirizar na Ford de São Bernardo, na fábrica de Camaçari [Bahia] pode ser que consigam. A resistência aqui vai existir, mas no médio e longo prazo, será uma pressão gigantesca sobre nós porque haverá rápida adesão onde os sindicatos são mais frágeis.

CC: Quais as consequências para os trabalhadores representados por sindicatos fracos?

RM: Ali a empresa vai tomar conta. Vai decidir tudo e implementar. Vamos assistir em prazo breve o recrudescimento de avanços implantados no Brasil a duras penas. Primeiro haverá queda de salário, depois aumento de jornada.

CC: O Diap [Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar] culpa os partidos de esquerda por privilegiarem os candidatos da máquina pública nas últimas eleições em detrimento daqueles com origem em movimentos sociais. O senhor concorda?

RM: Houve descuido. Nós metalúrgicos sempre batalhamos por nossos candidatos, mas categorias como educação e saúde não elegeram muitos representantes. É preciso um balanço interno, porque os partidos de esquerda não olharam para essas figuras.

A sociedade escolheu um Congresso pronto para fazer barbaridades. Esse Congresso não olha para o futuro. Ele fatia seus interesses imediatos entre religiosos, ruralistas, empresários e bancada da bala. Eu disse ao PT: o partido precisa falar das terceirizações na televisão, mas vai ter inserção e acho que o partido não vai tocar no assunto.

CC: No Congresso, são 60 parlamentares trabalhistas contra 251 da bancada patronal. Por que trabalhador vota em empresário?

RM: Os candidatos da direita têm uma capacidade econômica muito forte. Não acho que o trabalhador comum tenha votado em empresário. Ele votou no cara da igreja, no cara que fala sobre violência. Não ficou claro para o eleitor que esse candidato defende o empresário. Essa característica acabou camuflada por outras bandeiras.

CC: A presidenta Dilma não deveria ser mais contundente contra as terceirizações?

RM: Os movimentos sociais sentem a ausência dela em muitos temas, como a terceirização. Mas não acho que Dilma vá se meter em meio a esse cenário de crise política. Ela está em silêncio por causa dessa crise, que já ultrapassou todos os limites. Fazia tempo que a gente não via essa coisa de achaque, de toma lá da cá… Nós temos de fazer o nosso papel: criar as condições para pedir o veto colocando o bloco na rua. Há uma confiança de que a presidenta vai vetar.

CC: Se vetar, ela recupera apoio popular?

RM: É uma das coisas que podem ajudar. Ela também tem de sinalizar a retomada da economia, resolvendo a paralização da infraestrutura em razão da Operação Lava Jato, que comprometeu as empreiteiras. O ajuste das contas é natural, isso vai ajudar a recuperar a imagem dela e do Brasil.

CC: E se ela não vetar?

RM: Aí o desencanto será grande. Será enorme.

CC: Como está o diálogo da presidenta com o movimento sindical?

RM: Segue parecido com o ano passado. A edição das Medias Provisórias 664 e 665 não foi negociada, foi comunicada e isso não dá certo. As centrais passaram a exigir a retirada delas… O ambiente de conversa com ela ainda não destravou.

CC: Na opinião do senhor, o pleno emprego está ameaçado?

RM: O pleno emprego é uma realidade no Brasil. Estamos em patamares muito bons em relação ao resto do mundo. O desafio maior é na Indústria, mas acho que vamos sair da crise em 2016 preservando essa conquista. A tercerirização é que pode ameaçar, embora seu principal efeito seja ampliar o subemprego.

CC: Como o senhor avalia as políticas trabalhistas desde a reeleição da presidenta?

RM: Até agora, o balanço é positivo: foram mais de 38 medidas favoráveis ao trabalhador de 2011 para cá. Ela não fez tudo que a gente gostaria, mas o balanço ainda é positivo e a terceirização ainda pode ser vetada. 

Fonte: Carta Capital

 

 

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