Artigo: Trabalho e produção na servidão voluntária

Dentre todas as mazelas que vem sendo noticiadas pelo governo pós-impeachment, as reformas legalistas das regras do trabalho e previdência deveriam preocupar a grande massa trabalhadora, mas ao invés disso o que percebo é uma normose, uma lassidão e um conformismo diante do inevitável, e isto me fez pensar em La Boëtie em seu questionamento sobre a servidão voluntária: “Afinal, de onde o governante, em todos os países, tira a força necessária para manter os súditos em estado de permanente servidão?”

A reforma trabalhista principalmente traz em seu bojo o trabalho intermitente, como aquele no qual, a prestação de serviços não é contínua, embora com subordinação.  Nesse tipo de trabalho, são alternados períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador o objetivo é a produção, e por isso produzimos. Produzimos até a exaustão, e depois disso continuamos produzindo metas que serão sempre substituídas por outras. A atividade laboral nunca acaba, e quando escurece transferimos para o “home Office”. É esgotante, mas se isto não for suficiente, podemos ainda mensurar a satisfação. O resultado é uma sociedade fatigada, empobrecida, frustrada, gerando sujeitos, depressivos, sem ânima a quem só resta recorrer a medicamentos para continuar produzindo mais e eficientemente.  Mas ainda assim, estamos servilmente aguardando no cadafalso a hora da corda nos dependurar de vez.

Na reflexão desse absurdo da servidão voluntária, La Boëtie aponta algumas causas: o costume tradicional, a degradação programada da vida coletiva, a mistificação do poder, o interesse, isto tudo entre os anos de 1530 a 1563, e mesmo tendo passado quase 500 anos ainda não aprendemos com a história.

Será que a compulsão do mundo pós-moderno de investimentos externos reluzentes e apetitosos nos fez servos complacentes e docilizados de obediências regadas a normas e hierarquias que neste momento sequer nos permite reagir?  Ou será prazer no sofrimento nos levando a algum lugar no gozo da vida?

De qualquer forma enquanto não possuímos o ímpeto de agir e nem nos aventuramos a responder qualquer questão, assistimos passivamente a rede de interesses pessoais trançadas com nós de boa amarração formando elos em degraus descentes tornando cada vez mais e mais camadas corrompidas e em extensas cadeias de dominantes ávidos a negociar as vantagens e riquezas materiais disponíveis ao leilão do dia.

Para La Boëtie, a última causa geradora da servidão voluntária, aquela que considera “o segredo e a mola mestra da dominação, o apoio e fundamento de toda tirania”, é a rede de interesses pessoais, formada entre os serviçais do regime, e a sensação que fica, é que o povo afunda cada vez mais numa lama aquecida, sem se dar conta desta imersão, como se ela fosse o banhar-se manso nas águas rasas e tranquilas de algum resort do oceano pacífico, até que as reformas governamentais o abatam fatalmente.

Por Márcia Ferreira –  Vice-presidente do SINFA-RJ

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