Fui Movida pela curiosidade de ler a tão famosa sentença Morista proferida recentemente no caso Lava jato onde o ex-presidente Lula figura como réu. Muitas laudas, no total de 218, escritas numa gramática cuidadosa, com mais de 940 itens, um livro.
A palavra sentença, em sua etimologia guarda em seu significado a ideia de se “ter a opinião sobre algo” no caso dos processos jurídicos ela é mais que opinião, é rito processual fixado na norma, e sendo passível de nulidade, apreciação ou reforma. É quase a palavra de um semideus fora do Olimpo.
Pelos conceitos jurídicos, sentença é o ato do juiz que extingue o processo com ou sem resolução de mérito, ou ainda que rejeita ou acolhe os pedidos do autor, é imparcial, e a imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes e, embora não esteja expressa, é uma garantia constitucional, e o Estado evoca para si o exercício da função jurisdicional, e tem o dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas, e por imparcial deve-se entender, o juiz que não tenha interesse no objeto do processo e nem queira favorecer uma das partes. Melhor pararmos por aqui!
É neste universo tão cheio das regras e das formalísticas, que o assunto se torna interessante. Como pode um instrumento jurídico pouco flexível, ser banalizado em seu uso e proferido sem nenhum constrangimento, servindo de escopo exaustivo de convencimento público, numa tentativa angustiante de tirar leite de pedra. O direito é assim, convencimento, onde o compromisso com a verdade é uma discussão foucaultiana, longa e sem fim, isso sem falar que esclarecer a verdade não é tarefa fácil nem para as 218 laudas como quer fazer parecer esta sentença em particular.
O artifício desta peça processual parece mais uma catarse política, uma justificativa, uma matéria para ser lida como dever de casa, feito e aplaudido por um grupo, uma monografia de como usar teorias e acopla-las ao que se quer ver referendado. Um café morno, produzido por alguém de mesma temperatura, e assim, a responsabilidade individual acaba sendo diluída pelo sistema que introjeta no indivíduo a sensação de dever cumprido, sem responsabilidade pessoal alguma pelos feitos, porque tudo emana do sistema e está previsto no regulamento.
Todos os dias somos atravessados por um documento formal cotidiano proferido mecanicamente e encoberto pelo manto da “imparcialidade”, mas que marca e desestrura a vida do sujeito, e quem o profere, analisa ou emite laudos, pareceres ou sentenças, sem cuidado, ética ou zelo, é um cidadão comum que domina o fazer moderno nos meandros da burocracia administrativa processual, e onde tudo que for nele escrito, vai oscilar pela lógica do contexto em que a situação ocorre ou no suposto lugar de saber dos experts, não se considerando se há vínculo entre o pensar e o agir, entre o fato e a criação, entre a virtude ou infâmia.
De certo esta sentença tem delineado um objetivo que não é o de “sentire” os fatos, e sim de ser um dispositivo nas engrenagens da biopolítica, onde a ética foi embora e a forma está travestida de outras roupagens para inserir suspeitas sobre o não dito ou o não provado.
E é nessa ordem de falta de vínculo de reflexão, que a sentença do caso Lava jato, peça formal de grande relevância em qualquer processo judicial, vira um relatório criminal midiático totalitarista, cenário do grande teatro político corrosivo atual, com ares de investigação de corrupção em prol da sociedade democrática, completamente dissociado da imparcialidade do togado, tornando-se escárnio nas redes sociais e provocando o esmiuçamento do documento pelos pares causídicos e caindo em total descrédito no mundo jurídico antes mesmo de sua publicação em diário oficial.
Mas o que fazer se a Sentença é do juiz Moro, se o réu é o Lula e o país é Brasil?
Por Márcia Ferreira – Vice-presidente do SINFA-RJ