Servidor público, o vilão com estabilidade
Com origem nos EUA, o instituto da estabilidade do servidor público, foi concebido em consequência da alternância partidária no comando do Estado americano, onde existem duas classes políticas dominantes, o Partido Democrata e o Partido Republicano, que ao atingirem o comando executivo Estatal, após cada pleito eleitoral, o partido legitimado eleito efetuava alterações necessárias, a fim de se reorganizar para o próximo quadriênio ou quinquênio governamental.
Esta prática que foi considerada antidemocrática, antiética e, até uma forma de política discriminatória, proporcionava demissões em massa daqueles que eram notórios adversários políticos, ideológicos e até mesmo inimigos do partido ou de lideranças que atuavam.
Após a reorganização feita pelos oposicionistas no quadro de pessoal da Administração Pública, a máquina estatal via-se ás voltas com a incapacidade operacional, tornando-se lenta, precária e ineficaz, onde muitos dos serviços até então oferecidos á população eram paralisados, ou seja, a limpeza feita arbitrariamente fazia a maquina estatal congelar.
A falta de qualificação daqueles que eram apadrinhados pelo partido vencedor, para suprir as vagas dos adversários demitidos, não possuíam treinamento e/ou experiência e em muitas vezes falta de destreza no trato com as questões públicas. A partir destas situações, vislumbrou-se a necessidade de criação de um mecanismo que fosse capaz de proporcionar a mobilidade estatal além, de propiciar ao servidor ora detentor de cargo público o direito à manifestação político-partidária sem que houvesse retaliações posteriores à eleição. Assim, nasceu o instituto da “estabilidade”.
No contexto brasileiro, a realidade não foi diferente. A alternância governamental entre os mais diversos partidos políticos brasileiros, era inevitável e a troca de correntes governistas ocasionava as mesmas mazelas verificadas nos EUA, porém, o inchaço da máquina pública era mais contundente aqui do que lá, logo, a sociedade avoca e o instituto da estabilidade tornou-se garantia constitucional, e em decorrência de sua essência como proteção dos direitos coletivos na prestação de serviços essenciais para a manutenção da maquina administrativa estatal.
Em praticamente todas as constituições brasileiras, o instituto da estabilidade foi fixado. A estabilidade não há de ser confundida como um sistema protetor de maus servidores, o servidor, embora amparado por tal instituto, é suscetível de processos administrativos disciplinares, nos quais tem direito ao contraditório e a ampla defesa, onde se comprovada à ineficiência, ou a falta disciplinar correspondente, poderá ter punições que variam da advertência até demissão ou perda da aposentadoria.
Se a estabilidade é uma ferramenta que mantém a maquina estatal em funcionamento sem se contaminar pelos desmandos políticos, então onde se funda esta emergência de se acabar com este instituto, o que está por detrás da “perda da estabilidade” do servidor no momento político atual?
Primeiro pode-se ressaltar que há um clamor popular de que os servidores públicos possuem muitos privilégios e que são indolentes e não sofrem como os trabalhadores da iniciativa privada os quais vivem na corda bamba e a mercê da vontade do patrão. Este discurso desqualificante, demonstra o total desconhecimento por parte da população das normas legais que norteiam o servidor e a organização pública, e por ignorar vai atribuindo aos servidores públicos toda sorte de percalços e dificuldades enfrentadas pelo trabalhador privado nas amarguras do que ele vive, nomeando todas as desgraças ocorridas com a Nação e as depositando nas costas largas do “servidor público privilegiados”.
É importante clarificar também, que os servidores públicos, agentes da máquina administrativa, segue orientações e atribuições previstas em lei e que elas provém daqueles que ocupam as cadeiras no alto escalão político, empossados por processos eleitorais legítimos, e que obedecem a hierarquias ministeriais, não agem ao bel-prazer, não exerce suas atividades por capricho, as atividades precedem a posse no cargo, e que o servidor pode ser demitido sim e/ou perder sua aposentadoria como qualquer trabalhador, existe ferramentas que vão servir de base a esta finalidade, e quando demitidos não possuem FGTS para resgatar como indenização garantidora dos dias trabalhados, ele simplesmente fará jus as verbas remuneratórias dos dias trabalhados naquele mês em que se dará sua exoneração, e na possibilidade da perda da aposentadoria, ele simplesmente fica sem proventos. Então cadê os privilégios e benesses?
O que gostaria de demonstrar, é que o servidor público não é este vilão que o senso comum quer fazer parecer, nem o mau de todos os tempos ou até mesmo o algoz deste cenário de serviços públicos precários e ineficientes, ele no máximo é o retrato destas perspectivas de incertezas políticas do cotidiano da atualidade que de um lado se vê curvado por uma hierarquia que não o atende e o imobiliza nas condições gerais insatisfatórias de trabalho, e por outro lado é criticado contundentemente pelo cidadão (aquele para qual ele presta serviço) que desconhece sua subordinação e atuação e clama ostensivamente pelo banimento dos seus direitos sob a equivocada noção de privilégios desmedidos marcados pela ineficiência e indolência fabricada por discursos midiáticos nocivos e moralizantes.
Márcia Ferreira da Silva de Santana
Vice presidente do Sinfa-RJ