Uso excessivo e cobrança no WhatsApp geram ansiedade e hipervigilância

Quando a publicitária Raquel Sing, 26, começou a participar de entrevistas de emprego, estar disponível no WhatsApp 24 horas por dia não era uma exigência descrita nos escopos da vaga. Mas, uma vez empregada nas agências, isso se tornou uma das principais demandas das empresas, afirma a analista de marketing.

“Se você demora pra responder, as pessoas ligam. Já deixei de olhar minhas mensagens pessoais para ninguém ver que eu estava online. Abdiquei disso por um período”, conta.

Sing é uma das pessoas impactadas pela dinâmica que passou a predominar no uso do aplicativo e lembra a forma como usamos ligações de telefone, segundo Leonardo Goldberg, doutor em psicologia pela USP (Universidade de São Paulo).

A comunicação escrita, explica Goldberg, pressupõe uma ausência do destinatário da mensagem. É o caso dos emails, que, mais próximos da troca de cartas, não exigem presença e resposta imediatas.

É nisso que o WhatsApp se diferencia: apesar de também ser uma comunicação por escrito, a resposta imediata é cobrada como em uma conversa que acontece pessoalmente.

Esse tipo de uso é um sintoma social de hipervigilância e ansiedade, afirma o psicólogo. “O aplicativo cria a ideia de um presente contínuo, como se não houvesse noções de futuro e passado”, diz Goldberg.

Essa sensação parece mais intensa a cada geração, afirma o especialista. Segundo ele, o fenômeno é ainda mais prejudicial para jovens, que passam por mudanças importantes indo para a fase adulta.

Passar a maior parte do dia checando o WhatsApp pode resultar em alteração no sono e problemas posturais, oftalmológicos e de saúde mental, como ansiedade, afirma Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependências tecnológicas do Hospital das Clínicas.

Essas consequências fazem parte de um guarda-chuva maior: o de dependências comportamentais relacionadas à internet. Entram na lista redes como Instagram, Facebook e Snapchat.

“Em crianças, adolescentes e até mesmo jovens adultos, o controle dos impulsos, ou seja, o comportamento que deixaria você colocar um freio [no uso das redes], não está pronto”, afirma.

Conforme um usuário navega pelas plataformas e recebe uma série de mensagens e likes, por exemplo, gera-se uma sensação de recompensa.

“Isso cria um looping em que, cada vez mais o usuário gasta mais tempo. E o indivíduo não é o único problema: as redes são desenhadas com o objetivo de estimular o engajamento máximo.”

Para Guilherme Spadini, diretor da área de psicoterapia da School Of Life Brasil, a dependência de redes sociais tem particularidades entre os vícios comportamentais, como o em jogos.

“Muitas dependências tiram as pessoas do convívio social. Já a dependência da rede social tem essa característica de te colocar em contato com pessoas, com a rede”, explica o psicólogo. “Ela vira uma coisa importante e socialmente legitimada.”

Essa característica a torna invasiva e presente no cotidiano das pessoas de maneira ininterrupta, afirma Spadini.

Assim como no debate em relação ao uso de drogas, a questão com a internet, segundo o professor, é se é possível controlar o uso dessas redes ou se é necessário uma abstinência total.

“Se você não está disposto a cortar o uso totalmente, no mínimo seria muito importante fazer pausas. Fazer uma viagem legal, desconectar mesmo e reassegurar essa possibilidade [de estar off-line]”, conclui.

A legislação trabalhista não tem nenhum tipo de regulação específica para o uso de WhatsApp, mas a comunicação entre empregado e empregador no aplicativo pode ser considerada hora extra, explica André Laza, advogado do escritório Lobo de Rizzo.

É o caso de quando o funcionário está de plantão ou escala. Nesse regime, ele fica disponível para o empregador fora do período de trabalho normal aguardando uma eventual comunicação ou determinação específica de trabalho. A condição está prevista na súmula 428 do Tribunal Superior de Trabalho (TST).

Segundo Laza, não é preciso formalizar o regime de plantão: uma simples comunicação verbal já configura hora de sobreaviso, termo utilizado pela área.

Fora desse regime, o empregado não tem obrigatoriedade de responder mensagens fora de seu horário de trabalho, explica o advogado. Não há, no entanto, nenhum tipo de procedimento legal específico para evitar esse tipo de conduta, afirma.

“Recomendamos que haja um entendimento entre as partes para evitar esse tipo de situação”, diz o especialista. Ou seja: conversar diretamente com o empregador é o ideal para manter a relação de trabalho saudável nesses casos, segundo Laza. Já para os empregadores, ele sugere que a comunicação fora da jornada de trabalho se restrinja a situações de urgência, respeitando o horário estipulado no contrato.

Fonte: Folha de São Paulo

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