Todos os dias o brasileiro é assolado por uma avalanche de notícias oriundas das questões públicas dos conchavos e negociatas, um vexame atrás do outro num descortinar de vergonha que emudece, mas paradoxalmente a isto, nada mobiliza, nada é feito, existe uma letargia no ar, no ato, uma normose inexplicável, quanto mais manchetes reverberam nas mídias, quanto mais fatos vêm a domínio público, mais nos acabrunhamos, o que está ocorrendo? Por que não bradamos as ruas por nosso gigante que adormece?
Talvez, a explicação esteja no fazer da política nesse emaranhado de redes poderosas que nos amarra de um jeito naturalizante nos mantendo num estado catatônico, imersos e paralisados.
A história nos mostra que, de tempos em tempos, em algum território as coisas vão acima do limite. Foi assim na Europa, na França em específico, primeiro pelos brioches, depois na década de 60, pelos estudantes de Nanterre, o que culminou no grande evento de maio de 68, na Espanha o movimento de contracultura como sendo um basta na pobreza e desmandos econômicos, a Itália com a luta antimanicomial por Basaglia pelo viés da filosofia da diferença, nas Américas Central e Sul as infames ditaduras. E é aqui o nosso tendão histórico é a força do capital adoecendo a democracia para nas brechas poder se valer.
Em 2007 a jornalista Naomi Klein publica sua pesquisa intitulada a “Doutrina do Choque” em que discorre detalhadamente sobre o avanço da democracia liberal que parte da Escola de Chicago como proliferação do poder e que se funda nas crises e em sistemas autoritários explorando situações de caos para se estabelecer numa falsa relação de ajuda entre o liberal e o democrático, e as ditaduras latino-americanas foram terrenos férteis para estas “imposições” econômicas tornando estes países um grande laboratório de experimentos econômicos por intermédio de implementações do grande capital.
Diz a canadense ainda, que não há outro método de introduzir essas práticas brutais sem entorpecer ou desfocar o cidadão, sem riscar a democracia e enfraquecê-la gerando o caos, para que atordoados, os indivíduos não saibam por onde correr, são tantas as frentes que se mostram que o indivíduo segrega e não sabe a qual bandeira se agarrar; é o “capitalismo do desastre”.
Esse “choque” é uma filosofia de poder que ampara que a melhor oportunidade para impor as ideias radicais do livre-mercado é o período que se sucede a um grande evento político, que no caso do Brasil, foi o impeachment; a crise estabelecida cria uma janela por onde tudo passa o que desorienta e desarticula movimentos, de modo que a rejeição ao que vai sendo imposto fique só na oralidade, o que não se mostra suficiente para estancar as múltiplas crises que despontam diariamente sendo aproveitadas pelas elites para defender políticas inaceitáveis que as enriquecem e empobrece, cada vez mais a maioria, impedindo políticas sociais e distributivas.
Assim, esta doutrina do choque, pode ser uma resposta tímida para este sintoma social de letargia que acomete ao brasileiro no momento atual, uma histeria coletiva que tomando o corpo do sujeito o enche de angústias e dúvidas que se alastram pelo tecido social clamando por alívio ao mesmo tempo em que o torna expectador de uma economia cruel de exploração sem fim em nome de uma lógica de crescimento a qualquer preço onde o capitalismo busca ardentemente se perpetuar numa agressão constante contra os corpos e a vida.